Nelson Vasconcelos tem 59 anos e é corredor das antigas. São 40 anos dedicados à modalidade, entre idas e vindas. Com 12 maratonas na bagagem, o corredor, que nasceu em Santarém, PA, e mora em Nova Friburgo, RJ, estreou nos 42 km em 2014, no Rio de Janeiro, mesmo ano em que correu sua primeira Major, em Nova York. Cinco anos depois, completou as seis maratonas do circuito em Boston, em 2019. Casado e pai de dois filhos, Nelson conta aqui sua trajetória até chegar às Majors, o desafio de se tornar um Ironman e o sonho de terminar uma Comrades, que foi adiado por conta da pandemia.
MAJORS BRASIL: Fazia algum esporte antes da corrida?
Como a grande a maioria das crianças brasileiras, a minha vida esportiva começou com o futebol, mas o judô foi fundamental na minha formação enquanto indivíduo, porque este esporte é calcado em três princípios: condicionamento físico, espiritual e moral. Pratiquei o judô e o futebol de salão na infância e adolescência; continuei com o judô, futebol de campo e futebol society (fut7) na fase adulta.
MAJORS BRASIL: E quando começou a correr?
A corrida como um propósito surgiu aos 18 anos. Já na universidade, tive a opção de servir numa escola de formação de Oficiais da Reserva do Exército. Após o curso, já como oficial R2 do EB, fiz a opção de fazer o estágio de instrução na brigada paraquedista, mas precisava passar por vários testes físicos, um deles era correr 10 km com farda de instrução e coturno (botas) no tempo máximo de 1 hora. Foi aí que tudo começou. Descobri na corrida um prazer e um desafio para superar meus limites.
MAJORS BRASIL: Qual foi a sua motivação inicial?
A prática desportiva sempre esteve presente na minha vida. Primeiro com o futebol, depois com o judô. Como participava de competições intercolegiais, conheci outros esportes, o que despertou o meu interesse em praticá-los.
MAJORS BRASIL: Seu pai sempre praticou esportes, certo? Qual a influência dele para que você tivesse essa vivência desde cedo no esporte e posteriormente começasse a correr?
Meu pai foi militar e praticou diversas modalidades esportivas (voleibol, corrida e futebol). Ele sempre me incentivou à prática desportiva. Cheguei até a praticar capoeira por breve tempo na mesma academia que praticava judô. Ele gostava tanto de futebol que fundou uma equipe de futebol amador em Brasília, onde vivi minha infância e parte da adolescência.
MAJORS BRASIL: Fale sobre sua primeira corrida? O que lembra dela?
A primeira corrida com medalha que eu faço questão de contar foi uma prova de 800 metros. Participei de uma competição na Escola de Educação Física do Exército e obtive o terceiro melhor tempo naquela oportunidade.
Em se tratando de corrida de rua, a primeira foi uma prova de 10 km na Fila Night Run 2ª Etapa, na Barra da Tijuca, no Rio. Esta prova foi interessante, porque, além de ser noturna, metade dela foi corrida no asfalto e os outros 5 km na areia. Corri com meu filho mais novo e sobrinho e a família toda foi prestigiar. Nesse evento eu despertei para as corridas de rua. De lá pra cá, foram 12 maratonas, 24 meias maratonas, diversas provas de 5 km, 10 km e 12 km, três São Silvestres, aém dos 18 km da Pampulha, das 10 Milhas Bombom Garoto, do Desafio do Dunga. Além disso, completei maratonas aquáticas do Circuito Rei Rainha do Mar, que passei a fazer como preparativo para as provas de Ironman, pois a natação é a modalidade que preciso treinar mais.
MAJORS BRASIL: Quando se interessou por maratona?
A maratona passou a ser uma meta a ser alcançada após a primeira corrida 21 km, a Meia Internacional do Rio em 2013. Ao término dessa prova, um colega de trabalho virou para mim e disparou: “Partiu maratona em 2014?” Eu sou muito pilhado. Aquela pergunta ficou na minha mente durante toda a semana, mas curti os meus primeiros 21 km por algum tempo. Entretanto, um ingrediente extra me fez definir que correria uma maratona em 2014. Em novembro de 2013, eu estava na casa de uma sobrinha assistindo a um jornal e vi a reportagem sobre a Maratona de Nova York que se realizaria no dia seguinte. Ao ver imagens de edições anteriores na chamada da reportagem, comentei: “Eu sonho um dia correr esta maratona”. Uma sobrinha me zoa com a seguinte frase: “Tio, você quer ir vai, mas vê se não racha a cara da família de vergonha. É pra terminar a prova!” Esse era o combustível que faltava para eu procurar uma equipe de profissionais para realizar esse sonho. O tal amigo do “partiu maratona 2014?” nunca correu uma maratona, mas ele foi importante nesse processo. Em novembro de 2013, eu estava na casa de uma sobrinha assistindo a um jornal e vi a reportagem sobre a maratona de Nova York que se realizaria no dia seguinte. Ao ver imagens de edições anteriores na chamada da reportagem, eu comentei: “Eu sonho um dia correr esta maratona”. Uma sobrinha me zoa com a seguinte frase: “Tio, você quer ir vai, mas vê se não racha a cara a família de vergonha. É pra terminar a prova!”. Era o combustível que faltava para eu procurar uma equipe de profissionais para realizar esse sonho. O tal amigo do “partiu maratona 2014?” nunca correu uma maratona, mas ele foi importante nesse processo.
MAJORS BRASIL: Quando estreou na distância dos 42 km, quais eram seus medos e receios antes de encarar a distância?
Fiz minha primeira maratona no Brasil em 2014: a Maratona do Rio de Janeiro. Objetivo: saber se conseguiria terminar uma prova de 42 km. Esse era o meu receio, talvez por conta da zoação da sobrinha (rsrs). Em março deste mesmo ano passei a fazer um trabalho de musculação específico. Deu tudo certo. Fiz a prova em 3:53:09. Completei! Agora sim, tinha a certeza que seria possível. Mantive o foco, mas a baixa imunidade pós-maratona me derrubou. Adoeci e tive que diminuir os treinamentos, mas não a vontade de correr em Nova York. Claro que a essa altura dos acontecimentos eu já tinha participado do sorteio para a inscrição na Maratona de Nova York. Não obtendo sucesso, contatei a Kamel Turismo para me ajudar a realizar esse sonho.
MAJORS BRASIL: E como foi sua primeira Major?
Ainda não sabia o que era uma Major. Estava determinado a largar nesta prova, que tem quatro ondas de largada, mas todas com o mesmo ritual: hino nacional americano cantado à capela, tiro de canhão e começo ao som de “New York, New York”. Sensação indescritível! A atmosfera é de uma grande festa. Acordei às 4h da manhã, muito frio (3 graus com sensação térmica de 0 no local da largada), e segui para a Biblioteca Pública, onde estão estacionados os ônibus que levam os corredores para Staten Island. A cidade se prepara e, ao longo da blue line, que marca o percurso pelos cinco distritos, os nova-iorquinos aplaudem, gritam o nome do nosso país estampado no número, estendem a mão para um high five. Até aí o choro era de emoção. Afinal, estava realizando um sonho. Mas a prova é muito dura! Um vento cortante e um grande desafio: cruzar as cinco pontes com subidas. E, quando se chega na altura do km 36, o choro agora era de dor. A luta contra o frio intenso e contra as cãibras se mostravam um desafio a mais. O “grande urso” apareceu! E tive que carregá-lo naquela interminável subida. Neste ponto tive a exata noção do quanto é difícil essa prova, mas jamais pensei em desistir. E vieram outras várias subidas nos últimos 5 km, inclusive quando se entra no Central Park. Cruzei a linha de chegada completamente exausto…e mais uma vez vieram as lágrimas… uma emoção incontida! Feliz e realizado, olhei à minha volta, e não encontrei rostos conhecidos para dividir tamanha alegria. Mas pouco importa… completei a Maratona de Nova York. Ainda não sabia que, de fato, aquela era a minha primeira Major.
MAJORS BRASIL: Quando de fato começou a perseguir o sonho das 6 Majors?
A Maratona de Nova York foi minha primeira prova fora do Brasil. Tudo era muito novo para mim. A ideia era correr uma maratona e seguir com outros desafios. Não havia pensado em fazer outras maratonas, mas, conversando com outros corredores após a prova, fiquei sabendo que havia um circuito das maratonas consideradas as maiores do mundo. Foi neste momento que despertei para o mundo das Majors. Nem na Expo me dei conta da existência da tal “mandala” que se ganha após completar a última das seis provas. Pensei: “Não sou de deixar coisas pela metade, incompletas…” Então comecei a ler sobre as Marathon Majors, calendário dessas provas e seus desafios.
MAJORS BRASIL: Você terminou a sequência das seis em Boston 2019. Como foi a emoção de conquistar a mandala numa prova tão lendária?
A sequência da realização das Majors veio de forma aleatória. Isto porque, como são eventos esportivos muito procurados, costumo dizer que são as provas que nos escolhem (rsrs). Já deveria ter corrido Boston em 2017, pois fiz um bom tempo em Chicago, mas por outros motivos acabei não concorrendo no qualify para tentar a vaga naquela ocasião. Correr a Maratona de Boston está para o corredor assim como jogar no Maracanã está para o jogador de futebol. É um sonho, privilégio de poucos. Sim, porque somente cerca de 30.000 corredores podem participar e porque é uma das maiores e mais tradicionais corridas do mundo. Destaco, além do momento em que recebi a mandala, tornando-me um six star finisher, o instante num momento difícil da corrida em que recebi um abraço de uma voluntária. Foi de arrepiar! Restabeleci minhas energias e consegui chegar até a finish line, apesar das fortes dores na lombar.
MAJORS BRASIL: Como você descreveria hoje cada uma das Majors? Qual gosta mais e qual gosta menos? Se tivesse que escolher uma para repetir??
A Maratona Nova York é a rainha das Majors. Para mim é a mais glamorosa; e que chegada é aquela no Central Park no coração de Manhattan? Bem no meio de uma das cidades mais urbanas e movimentadas do mundo. Todas as Majors têm um atrativo especial. No caso de Chicago, a cidade em si é o ponto alto do evento. O percurso apresenta uma peculiaridade: muita sombra na primeira metade da prova e vento constante na Cidade dos Ventos. Não penso em voltar a Chicago para correr uma maratona. Correr em Tóquio foi inesquecível. Muita organização e rigidez nos locais de acesso. Japoneses muito carinhosos com os corredores durante a prova. Berlim já corri duas vezes. O percurso totalmente plano te convida a tentar superar o próprio recorde. É a que mais me atrai por essa perspectiva. Boston é a cereja do bolo. Tem uma estrutura fantástica, famílias à beira do trajeto te oferecem bebida e comida. Ao longo do percurso das oito cidades (Hopkinton, Ashland, Framingham, Natick, Wellesley, Newton e Brookline e Boston), os moradores incentivam os corredores e gritam o seu nome ou do seu país quando identificam a bandeira na sua camisa.
MAJORS BRASIL: Depois das Six Majors, como ficaram seus objetivos de corrida? Tinha alguma maratona planejada para 2020 ou algum sonho de corrida que teve que ser adiado por conta da pandemia? O que espera para 2021?
No universo da corrida almejava correr em 2020 a minha primeira ultramaratona. Para mim não bastava correr qualquer ultramaratona. Meu sonho era correr Comrades em 2020. Para isso investi em equipamento para correr em casa de forma a não sobrecarregar as articulações nos longões preparatórios para essa prova. A ideia era mesclar treinos em pista, asfalto e indoor. Foi frustrante não realizar esse sonho em 2020. É que as oportunidades se vão e outros eventos passam a ser prioritários. Em 2021 também não vai acontecer, quem sabe em 2022? Estou inscrito em uma prova de Ironman para o segundo semestre de 2021. É torcer para que ela se realize. Minha dedicação atualmente é só para fazer essa prova.
MAJORS BRASIL: O que a corrida significa para você e quais os benefícios que trouxe para sua vida? Como é um dia seu de treino e como concilia com as outras coisas da vida, como trabalho, família, lazer?
Penso que a corrida é mais que uma simples atividade esportiva. Diversas valências físicas são afloradas através desse esporte, como a resistência, a força, o equilíbrio, a agilidade etc. Mas eu entendo que os aspectos mais importantes para o praticante deste esporte estão ligados às alterações fisiológicas e psicológicas que nosso corpo experimenta durante e até após a corrida. É muito comum o aumento da sensação de bem-estar nas pessoas que praticam corrida e sentem falta quando não correm. Existem estudos que indicam a corrida como tratamento para a ansiedade. Isso acontece comigo. A corrida é algo prazeroso e me sinto bem disposto para enfrentar um dia de trabalho após uma corrida. Treino todos os dias. Acordo às 5h30, porque às 7h já tenho sessão de mobilidade articular (segundas), musculação para pernas (terças) e musculação para braços (quintas). Natação às segunda, quartas e sextas, 2 horas de mountain bike às terças e quintas. Treino de corrida (intervalados, educativos, regenerativos) às segundas e quartas. Aos sábados, 2h30 de bike de triathlon e aos domingos meus longões de corrida. Em suma, são duas atividades ligadas ao esporte por dia, quase sempre na parte da manhã. Há uma pausa de 3 horas para o banho, almoço e um breve descanso, pois às 14h começa a minha jornada de trabalho, que vai até às 20h30, em regra. Família e lazer são prioridades, então, sempre que há programas em família, deixo de seguir o cronograma daquele dia.
MAJORS BRASIL: Quais conselhos daria para quem quer perseguir o sonho das Majors?
Primeiramente diria que é um sonho perfeitamente possível. Tem uma frase do Lauro Trevisan que levo comigo desde que comecei a correr: “Vá firme na direção das suas metas. Porque o pensamento cria, o desejo atrai e a fé realiza”. Aconselharia ler bastante sobre as provas, suas logísticas, as mais concorridas e começaria pelas mais distantes, de modo que desistir não seja uma opção.
MAJORS BRASIL: Você virou Ironman em 2018. Como o triathlon entrou na sua vida?
O triathlon apareceu para mim a partir da necessidade de nadar para melhorar minha capacidade cardiopulmonar. A natação auxilia na recuperação muscular e contribui para o ganho de resistência aeróbica. É uma forte aliada do corredor, mas eu não tive base de natação na infância e adolescência o que tornou essa modalidade um desafio para mim. A convite de um amigo corredor e nadador, fui a uma aula no Posto 6, em Copacabana, às 6h. A experiência não foi nada boa. Tive pânico, mas não desisti. Procurei me acalmar e após 45 minutos de aula com pouco aproveitamento devido a hiperventilação e ao cansaço físico e emocional, saí da água e decidi que ali seria o ponto de partida para a realização de novos sonhos. Comecei a fazer provas de travessia aquática (beach biathlon, 2,5 km, 3 km ) e daí para o triathlon foi um passo. Entre corredores conheci alguns que já haviam participado de provas de Ironman e acabei me interessando e lendo tudo sobre provas de endurance com três modalidades esportivas. Fiz uma prova de aquathlon (corrida + natação + corrida) e estreei no triathlon fazendo uma prova de X-Terra ( 1000 m de natação + 25 km de mountain bike + 5 km de corrida). Até já completei 3 provas de Ironman 70.3 ( 1900 m de natação + 90 km de ciclismo + 21 km de corrida) e 1 prova de Ironman 140.6 ( 3.800 m de natação + 180 km ciclismo + 42 km de corrida).
Ademilson Junior
junho 1, 2021Nelson sem foi um grande exemplo a ser seguido.
Esse cara é um dos mais determinados que já conheci na vida.
Se ele falar que vai correr até o japão um dia eu acredito. Tudo que ele coloca como meta ele alcança.
Exelente e merecida, materia.
NELSON VASCONCELOS
junho 1, 2021Ainda me lembro que Fernanda Paradizo foi quem me deu as primeiras dicas sobre os suplementos que poderia levar para a minha primeira prova no exterior. Talvez ela não lembre, mas suas orientações me trouxeram tranquilidade e segurança naquela viagem. Muito obrigado.