Que eu sou louco pela Maratona de Boston muitos já sabem, mas cada ano que volto, e olha que já foram 11 vezes, ela sempre guarda uma surpresa para cada vez mais ficar marcada na minha história com a corrida. E neste ano de 2024 não foi diferente, mas antes vou voltar um pouco lá onde tudo começou.

Após ter conseguido o tempo de qualificação, foi no ano de 2013 que me inscrevi pela primeira vez. Foi marcante toda a corrida. Eu já tinha conseguido meu primeiro sub3 em 2008 em Berlim, e desde então vinha tentando novamente em várias outras e nada de conseguir. Sempre algo dava errado. Já achava que nunca mais iria voltar a fazer.

Boston 2013 foi tudo perfeito. Temperatura favorável, a energia das pessoas, aquela vontade de se superar em uma prova de eleite, e foi aí que a mente superou o desgaste do corpo e cravou 2:55 na prova. Não acreditava, estava em êxtase de tanta felicidade, até passado aproximadamente 1 h de minha chegada eu escutar do meu quarto no hotel um barulho seguido de outro, de algo que nunca imaginaríamos vivenciar. O atentado na linha de chegada tinha acabado de acontecer. A cidade virou um caos, uma loucura, pessoas perdidas, policiais por toda a parte desconfiando de todos, vidas perdidas e um abismo de tristeza tomou conta de todos. Diante de toda essa desgraça eu não poderia nunca, e nem me permitiria estar feliz com meu resultado diante desta situação, e realmente fiquei muito abalado com tudo aquilo. Já na volta ao Brasil prometi a mim mesmo que em 2014 voltaria para homenagear as vítimas e a cidade.

Veio o ano de 2014 e o lema da maratona era Boston Strong ! E com toda essa energia corri com muita emoção e garra e atingi para minha surpresa o tempo de 2:53. Como era possível?! Já antes achava que não faria mais, e Boston me deu dois RPs seguidos?! Afirmei categoricamente que voltaria todos os anos que fosse possível.

Em agosto de 2014 já próximo da abertura das inscrições em setembro para a edição de 2015, tive a triste notícia de que meu pai estava com câncer, e em um estado já bem avançado. Me abalou profundamente e obviamente não me inscrevi na prova. As coisas realmente foram ruins nos meses seguintes e meu pai veio a falecer em março de 2015. Meus amigos que iriam correr Boston, na tentativa de tentar me motivar sugeriram de eu ir viajar com eles para Boston, mas obviamente aquilo iria me fazer mais mal de estar lá e não correr, foi quando um amigo, o Marcelo Prisco, sugeriu de tentarmos ver um jeito de me inscrever na prova. Como ??!!…”vocês só podem estar loucos, faltam menos de 30 dias. A prova cheia de regras e restrições, esquece isso que é impossível”. Prisco insistiu e disse que escreveria um email como se fosse eu, até porque eu não tinha cabeça par isso, contando toda história de 2013 e 2014, que tinha feito homenagens, e que agora tinha perdido o pai e gostaria desta vez de homenagear e correr por ele. Enviei o email em um sábado, e o Prisco ainda tinha feito uma reserva de voo para emitir o bilhete até segunda-feira meio dia. Na primeira hora da segunda-feira ligo na Boston Athletic Association. Atende uma senhora, peço desculpas por estar ligando, que sei das regras, que estou errado, mas relato meu caso e digo que enviei um email. Ele diz para aguardar que vai verificar o email. Volta e diz que encontrou, e mais uma vez pede um minuto para ler. Não tinha nenhuma esperança, tinha ligado só porque meus amigos iriam me cobrar disso. Ela retornou e eu voltei a dizer que tinha uma reserva para emitir a passagem até ao meio-dia, e então gostaria de saber se existia alguma possibilidade. Deu-se um silêncio de segundos…e a senhora diz, “pode comprar a passagem que vou lhe colocar na prova”. Não acreditei. O impossível tinha acontecido. Ela não só me colocou na prova, como usou meu tempo de qualificação para me colocar no curral certo da largada. E agora? Não tinha treinado nada, e faltavam menos de quatro semanas.

Se era para homenagear tinha que ser em grande estilo e com superação. Avisei ao meu técnico que queria ainda fazer um sub3 para meu pai.

Boston me surpreendeu como sempre. Larguei em 2015 em Hopkinton com meu pai, e cheguei em Boston com 2:59:04.

Os anos seguiram sempre com algo marcante. Correndo com amigos, ajudando a cruzarem a chegada abaixo de 3 hs, inclusive em um ano com o famoso Bonde do sub3, o qual o amigo Serginho Xavier relata em um dos capítulos de seu livro “Boston a mais longa das Maratonas”. Depois como todo corredor sabe, tem os anos de lesões e superações, pandemia, problemas de visto para entrar nos USA, e assim ela vai deixando suas marcas.

Voltamos a 2024 ! O objetivo do ano correr junto com o amigo e Six Major Sérgio Miranda para terminarmos com sub3. Cidade muito lotada. Nunca tinha visto tantas pessoas. Muitas ativações de marketing das marcas esportivas. Com a exclusão de outras marcas esportivas da feira da maratona que não seja a oficial, o que imagino tenha sido por questões contratuais do patrocinador master, permitiu que todas as marcas vendam fora da feira produtos alusivos a maratona, o que ajuda muito. Tivemos chuva na quinta-feira e sexta-feira, mas sábado o tempo firmou, e para o dia da prova a previsão previa que podia esquentar, o que de fato se confirmou com categoria. Fez bastante calor. Sol do começo ao fim, o que foi minando os atletas combinado com descidas e subidas ao longo do percurso. Voltando especificamente na minha prova juntamente com o Serginho, vínhamos bem como o programado até o km 19/20, quando o calor começou a desgastar bem. Já no km 23 Serginho sabiamente vendo que a coisa poderiam piorar muito disse que não arriscaria mais, iria segurar o ritmo e de que eu poderia seguir. Então mantive o meu planejamento até o final, terminando muito contente, curtindo bastante a energia na entrada da Boylston, e terminando com 2:58. Mágico como sempre Boston é.

Mass…não sabia eu que a minha chegada mais emocionante destes anos até aqui estava para ainda acontecer em 2024.

Após o almoço, caminhando um pouco ao redor do Sheraton, resolvi subir até a esquina da Boylson com a Hereford, onde os corredores viram a esquerda na reta final com aproximadamente 700 mts até a chegada. Já eram por volta das 17:30 e a organização desmontava já a estrutura da prova. Os últimos corredor, aqueles que lutam com sangue chegar lá na meta final, viravam na esquina já quase não querendo nem andar. Eis que uma senhora de 70 e poucos anos, o que vim a descobrir depois, vira na Boylston já em um estado muito mal. Eu caminhava junto a grade, e ela próximo à calçada não conseguia andar em linha reta. Caiu, levantou…andou completamente desorientada e caiu novamente. Tentou se levantar e ficou apoiada na grade. Não tinha como ver aquilo e não querer levar ela até a chegada. Corri a um policial que estava perto e pedi autorização para pular a grade e ajudar a senhora até a chegada. Me autorizou e não perdi tempo. Passei a andar segurando a Sra. Laurie Lawson (descobri o nome só depois que sairam as fotos, pois eu na emoção nem lembrei disso de ver o seu bib number).  Ela era muito baixa e não conseguia segurar ela por baixo dos braços, tendo que ser pelo ombro e pescoço. Fiz força para equilibrar ela. A coisa mais impressionante que mesmo quase inconsciente, o foco de terminar era tão grande que eu dizia a ela para andar mais devagar, e não tinha jeito, pois ela acelerava e acabava tropeçando, e mesmo segurando quase caía novamente. Foi a passagem final da Boylston e uma das chegada mais emocionante desses anos.

Boston sendo Boston !

Muito obrigado Sra. Laurie Lawson por demonstrar tamanha luta, determinação, e resiliência, e ainda assim me deixar ter sido coadjuvante de sua chegada. Você chegou lá com as suas pernas !

Sua foto e história ficará guardada no meu quadro de Boston de 2024 junto a todas as histórias dos anos anteriores.

Boston Strong…que venha 2025.

Até o relato desta história ainda não havia conseguido contato ou informações sobre como a Sra. Laurie ficou, mas teve pronto atendimento médico assim que chegou.

TEXTO: Jacques Fernandes

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