A história da carioca Fabianna Carneiro Carnaval com a corrida vem desde a infância, quando presenciou seu pai, Ronaldo, adotar aos 38 anos a modalidade para se livrar do cigarro e minimizar as complicações de uma doença vascular inflamatória. No total, ele completou seis maratonas, todas no Rio de Janeiro, entre 1984 e 1989.
Fabianna ainda era pequena na época e ainda guarda lembranças da rotina do pai, que acordava às 5h da manhã para treinar. Mesmo com o exemplo em casa, isso não foi suficiente para que fosse picada pelo “bichinho da corrida”. “Ele me incentivou levando para assisti-lo em provas, e até me inscreveu em uma corrida para crianças. Mas meu corpo ‘cansava’ só de pensar”, lembra Fabianna, que chegou a seguir seu pai de bike numa maratona carregando um isopor com água-de-coco e sachê de mel.
Um dia, voltando de um longo de 28 km, Ronaldo sofreu um “apagão”. O cardiologista constatou hipertensão e recomendou repouso. Ainda assim, resolveu fazer sua despedida das corridas fazendo 18 km na Maratona do Rio. Após isso, um exame mais detalhado detectou hipertrofia ventricular. A recomendação: parar de correr e fazer apenas caminhadas, mantendo o ritmo mais confortável.
Foi apenas depois que o pai parou de correr que Fabianna começou a se interessar pela corrida, após o nascimento da sua filha, Ana Carolina, em 2004. “Comecei a fazer aula de spinning, pois ouvia comentários que ‘secava’, e era tudo o que eu queira na época”, lembra ela, que, algumas semanas depois foi convidada para fazer uma aula experimental de running e sua relação com a corrida trouxe as lembranças da infância e mudou completamente.
Depois disso, Fabianna se mudou para São Paulo, onde mora há 15 anos, e passou a fazer parte de uma assessoria esportiva. Em 2010, estreou em maratonas, fazendo sua primeira Major em Chicago. Nesse momento, a corrida já era parte inerente da sua vida e o caminho para completar as Majors era só uma questão de tempo.
Hoje, aos 47 anos e mãe de 3 filhos, Fabianna relembra com emoção sua trajetória na corrida, sua relação marcante com o pai, que voltou a correr depois de um tempo, e o que pretende para o futuro. Confira entrevista completa.
MAJORS BRASIL: Qual seu passado esportivo?
Pratiquei balé clássico, na Dalal Achcar, dos 4 aos 15 anos, onde também fiz 5 anos de sapateado. Nadei no Clube de Regatas do Flamengo, apesar de torcer pelo Fluminense (rsrsrs), dos 6 aos 11 anos. Dos 16 aos 30 anos, me limitei a frequentar algumas academias, sem compromisso.
MAJORS BRASIL: Como começou a correr e de que forma o passado de corredor do seu pai a influenciou na escolha?
A corrida entrou novamente na minha vida após o nascimento da minha filha, Ana Carolina, em 2004. Digo novamente, pois de certa forma cresci vendo meu pai saindo cedo de casa para treinar e o acompanhei em algumas provas. Quando fui liberada para fazer alguma atividade física, comecei a fazer aula de spinning, pois ouvia comentários que “secava”, e era tudo o que eu queira na época. Após algumas semanas de aula, um dos professores da academia me convidou para fazer uma aula experimental de running. As aulas eram na esteira, durante a semana, e na orla do Rio aos sábados.
O primeiro treino na orla, me fez relembrar da rotina dos treinos do meu pai, das provas que o acompanhei, e da felicidade e prazer que ele demonstrava a cada prova concluída, a cada obstáculo superado e a cada meta alcançada. Acho que foi nesse momento que meu corpo e minha cabeça falaram que queriam sentir o mesmo que meus olhos viram, e que ficaram guardados na minha memória.
MAJORS BRASIL: Apesar de ter a corrida na família, você começou a correr só aos 31 anos. O que foi impeditivo para não abraçar a modalidade antes?
Meu pai fez a parte dele. Me incentivou levando para assisti-lo em provas, e até me inscreveu em uma corrida para crianças. Mas meu corpo “cansava” só de pensar em correr. Lembro que cheguei em penúltimo lugar na única prova que corri, e sai com a certeza de que aquilo não era para mim.
A corrida não estava no meu sangue. Meu pai começou a correr para lutar contra uma doença que quase o derrubou. Nem ele nem eu nascemos com o dom de correr, mas descobrimos na corrida a força e a determinação que nos impulsiona para enfrentar os desafios da vida.
MAJORS BRASIL: Entre 1984 e 1989, seu pai correu 6 maratonas. Era uma época em que a corrida bombava no Rio. Que lembranças você tem dessa época?
Foi uma época bem diferente. Não tínhamos tanto acesso às informações. Além disso, não tinha maturidade suficiente para perceber a dimensão de correr uma maratona. Tenho duas lembranças muito fortes na cabeça. A primeira delas é a agonia que eu e minha mãe sentimos na primeira maratona que meu pai correu. Já estavam desmontando a estrutura da chegada quando finalmente vimos ele chegando. E a segunda era o apoio de dei em algumas provas, carregando água de coco, e sachê de mel, num isopor fixado na garupa da minha bicicleta.
MAJORS BRASIL: Como foram as primeiras provas e como resolveu fazer a primeira maratona? Entrar numa assessoria esportiva fez a diferença na sua vida de corredora?
Não me dedicava tanto no começo, mas aos poucos sentia que tinha fôlego para correr um pouco mais. A dedicação foi aumentando naturalmente. A vontade de correr uma maratona veio quando percebi que no lugar do “sofrimento” havia o prazer. Entrar numa assessoria esportiva fez total diferença para mim. Me deu mais segurança. Correr não é simplesmente colocar um tênis no pé e sair por aí. Existem protocolos diferentes para cada tipo de pessoa. Somos seres únicos. Nossos organismos reagem de uma forma diferente. Por isso acho importante o acompanhamento de profissionais capacitados para atender os objetivos de cada um. Além disso, correr na companhia de pessoas com a mesma energia faz uma bem danado! Sem contar as amizades que você quer carregar por toda a vida.
Hoje, aos 47 anos, tenho a certeza que fazer/agir tem mais influência que falar/aconselhar. Tenho como exemplo o meu pai, que tentou me convencer a correr quando criança. Não teria efeito algum se ele tivesse só me aconselhado. Correndo, ele conseguiu me “provar” que a corrida tinha lá seus benefícios, e motivos para tal dedicação. O mesmo percebo com meus filhos. Ainda não despertaram para a corrida, e talvez nem despertem, mas já vejo minha influencia na tentativa de se alimentar melhor.
MAJORS BRASIL: Sua primeira maratona foi Chicago. Como foi a experiência de estrear na distância? Foi amor à primeira vista?
Chicago foi a primeira. Foi indescritível. Chorei muito quando completei. Não tinha noção do que era correr 42,195 km. Os treinos de 30 km eram muito mais fáceis. Durante o percurso todo pensava nos meus pais, nos meus filhos, nos momentos difíceis da vida. Passados 35 km me dei conta da força que tinha. Quando falo de força, não é da física, até porque comecei a sentir uma dor muito forte na lombar já no km 26 (faltou fortalecimento), e sim da coragem de enfrentar as dores e cansaço que tomavam conta do meu corpo. Acabei a prova com uma certeza: precisava fortalecer mais o meu corpo.
Não acho que ter completado a primeira maratona foi amor à primeira vista. Meu “encanto” foi ter percebido que não basta ter força física, é preciso ter “cabeça”. É o resultado da superação, independentemente da sua performance. É o reconhecimento de ter feito o melhor que você poderia naquele dia.
MAJORS BRASIL: Quando começou de fato a seguir o caminho para completar as seis Majors?
Até 2014, não estava muito por dentro das Six Majors. Com 3 filhos, e trabalhando fora, não “sobrava” muito tempo para pensar em algo diferente. Após completar minha 1ª maratona, percebi que não era impossível conciliar com treinos e vida social. Treinar para alcançar qualquer objetivo não é fácil. Precisamos abrir mão de algumas coisas, mas acabamos nos fortalecendo, melhorando as relações e o bem estar.
Foi em 2015 que comecei a escutar o tal qualifying para Boston. E sem querer, em Buenos Aires, consegui meu melhor tempo de maratona (3:37:59), e de quebra a inscrição para a Maratona de Boston em 2017 (7 minutos abaixo da linha de corte). Uma prova bem especial, pois meu pai estava lá me assistindo. Acho que, até hoje, ele não imagina a força que me deu estando lá para me assistir numa maratona pela primeira vez. Uma sensação única. Ter meu pai presente me fez pensar na superação, e força de vontade, que ele teve para lutar contra o vício do fumo, e encontrar na corrida o gatilho para viver. Foi como um aditivo no combustível. Corri sem sentir qualquer tipo de incomodo, sem sofrer, e com uma alegria que tomou conta do meu corpo. O registro da minha chegada diz tudo.
Após concluir Boston, que teoricamente seria a mais difícil em função do qualifying, como não sonhar com as Six Majors? O problema era conseguir fazer inscrição para as 3 que restavam, que já não era tão simples quanto foi em Chicago. Mas a dificuldade me deu mais vontade de concluir o circuito. Acordar cedo para treinar, dormir pouco para dar conta dos filhos, de casa e do trabalho já não eram um problema. Posso dizer que fui contaminada pela sensação prazeirosa que a corrida me dá.
MAJORS BRASIL: O que foi crucial para que seu pai procurasse novamente um médico e voltasse a correr depois de 20 anos?
Imagina um pai passar alguns anos tentando convencer um filho a seguir um caminho com ele. De repente esse pai é forçado a parar, e justo quando o filho resolve começar. Os anos foram passando, o filho progredindo e o pai relembrando tudo que conquistou. As lembranças começaram a incomodar, no bom sentido. Foi aí que o pai, mais uma vez, supera as opiniões médicas e volta para o caminho que o salvou na primeira vez. Começamos planejando uma corrida de 5 km, logo em seguida completamos 10 km juntos. E, quem diria, corremos a Meia maratona de Buenos Aires em 2017, juntinhos. Em 2018, fizemos a São Silvestre, prova que trouxe recordações da minha infância. Todo ano, assistíamos a prova pela televisão, que acontecia quase na virada do ano. Outro momento mágico.
Até hoje, os médicos não sabem como ele continua correndo. Ele completou 78 anos em outubro e segue correndo.
MAJORS BRASIL: Falando sobre as Majors: por que escolheu esta sequência após Chicago: Nova York em 2014, Boston em 2017, Londres em 2018, Tóquio e Berlim em 2019? E qual foi sua motivação?
Meio século de vida é um marco. Aproveitei a aproximação dos 50 anos e coloquei essa meta. As peças do quebra-cabeça foram se encaixando. As oportunidades foram surgindo naturalmente, e a meu favor. Em 2014, com a inscrição feita para a Maratona de Paris, fui sorteada para correr Nova York no mesmo ano. No ano seguinte, a surpresa com o índice para Boston. Londres e Tóquio planejei com a minha amiga, e super companheira Giselle Higuera. E finalmente Berlim! Fui sorteada após tentar por 3 anos consecutivos, onde peguei a famosa mandala, em 2019! Foi uma prova diferente de todas as outras. Meu único objetivo era curtir e concluir a prova. Não estava no meu melhor condicionamento físico, e minha cabeça não estava voltada para performance. Relaxei e curti. Fiz a prova como um passeio turístico, observando as ruas, as construções, locais marcados por guerras. Talvez a energia do local, por ter um passado pesado, não tenha ajudado.
De qualquer forma, concluir trouxe a sensação de objetivo alcançado, de sonho idealizado e realizado! E de quebra me deu mais vontade de seguir nesse caminho de dedicação, força de vontade, superação e determinação.
MAJORS BRASIL: Se tivesse que escolher uma Major para repetir, qual seria?
Cada prova é uma prova. Cada qual com sua particularidade, com propósitos diferentes. Meu momento de vida, certamente influenciou minha percepção em relação a cada uma. Mas Tóquio foi uma prova que me surpreendeu em todos os sentidos. Renderia umas boas páginas. Minha Major favorita, que faço questão de fazer novamente.
O esforço para nos entender, e ajudar, é ímpar. Bem organizada, exceto na largada, achei um pouco tumultuada. O percurso é plano até o km 35, e tem muitos “cotovelos”, o que pode desestimular, mas não me afetou. Corri com a Gi, que iria completar o circuito das Six Majors. Tive a ideia de “printar” nossos nomes em japonês. E não é que deu certo! Fiquei fascinada ao escutar vários japoneses gritando nossos nomes!!!! Simplesmente fantástico, de arrepiar. A sensação térmica de 0 grau foi esquecida pois estava fascinada pela organização e animação, ao longo de todo o percurso.
MAJORS BRASIL: Depois das Six Majors, como ficaram seus objetivos de corrida?
Hoje, penso em fazer outras maratonas, que ainda não fiz, conhecer lugares que nunca fui (e que nem penso em ir, assim como foi Tóquio, que só decidi ir porque fazia parte do circuito das Majors). Este ano estava inscrita na Maratona de Porto Alegre (ainda não fiz nenhuma maratona no Brasil), e no El Cruce, ambas provas transferidas para 2021. Meu objetivo hoje é chegar na idade do meu pai (78 anos) correndo!
Ronaldo Campos Carnaval
novembro 20, 2020É uma boa aluna. Determinada, raçuda, disciplinada, responsável, além de excelente mãe e filha.
E vamos continuar a luta!
Diana Goulart
novembro 24, 2020Demais! É realmente uma história tocante, até porque a filha começou, quando o pai parou; e depois ambos se juntaram para curtirem juntos, o exemplo de tanto tempo atrás. Deve ter sido uma sensação indescritível. Fabianna é incrivelmente disciplinada acho que conseguirá correr até uns 100 anos!