Na edição de 2021 da Corrida Internacional de São Silvestre, realizada no dia 31 de dezembro, uma cena chamou atenção nas redes sociais e até gerou muitas brincadeiras e memes por parte dos corredores. O atleta Samuel Nascimento, 9º colocado na prova, foi perseguido e atacado por um cachorro na altura do km 11 da corrida, nas imediações da Praça da República, e por muito pouco não levou uma mordida. Ser atacado por cães – ou outros animais – em treino ou numa corrida não é nenhuma novidade para quem corre na rua ou em trilhas. E o que não falta é corredor para contar história de algum perrengue vivido com algum animal. Aproveitamos que o assunto ficou em alta para ouvir algumas histórias de corredores que já passaram algum apuro com um cachorro à solta.


“Era um sábado normal de fevereiro de 2020, dia de treino longo. Faltavam pouco mais de 2 meses para a Maratona de Boston, confirmadíssima para abril. Tinha acabado de completar 3 anos morando em Curitiba e, durante todo esse tempo, dificilmente mudava o trajeto dos treinos. Neste dia, já tinha completado o trecho de ida e, no retorno, na segunda metade do treino, vi de longe 3 ou 4 cachorros deitados na calçada. Achei normal, mas fui um pouco mais para a pista de carros, porque eu já tenho um certo trauma – quando eu era bem criança e brincava na rua, o cachorro do vizinho se soltou e quase saiu me arrastando. Passei anos até conseguir pegar um elevador com cachorro dentro, por exemplo. Quando me aproximei um pouco mais, um dos cachorros (todos de rua, daqueles vira-latas babando) já avançou, me afrontando e latindo. Em seguida, os outros fizeram o mesmo. Parei de correr no meio da rua e virei de costas para eles, sem me mexer, pensando que eles desistiriam. E nada! Também não passava um carro, zero movimento, era muito cedo! No primeiro passo que dei para andar e atravessar a rua, um deles me mordeu na panturrilha. Eu senti a fisgada, mas pensei: ‘já mordeu, agora vou correr. E corri sem olhar para trás para saber se eles me perseguiam’. Até que um ônibus passou e acredito que tenha afastado eles. Corri mais uns 300 metros até um posto de gasolina, onde consegui lavar minha perna com água e sabão. Esperei o sangue estancar e continuei o treino normalmente, até chegar em casa. Depois foi um longo sábado procurando onde poderia tomar a vacina antirrábica, preenchendo formulários de ocorrência. Depois disso, vida ‘quase’ normal, porque, depois disso, se eu vejo um cachorro de longe, sempre desvio o caminho!”

Tatiana Lima Valério, Curitiba, PR

 

 “Minha aventura se passou no Atacama com um pastor alemão. Saí bem cedo do hotel para um treino de 10 km. Ao final do treino, já retornando pela estrada de terra que dava acesso ao hotel (cerca de 1,5 km da cidade), passei por um muro bem alto e ouvi o latido de cães. Segui correndo ao lado do muro, pela estrada. Dois cães subiram no muro e foram me acompanhando e latindo. Continuei correndo… de repente, um deles (pastor alemão) pulou o muro e veio correndo atrás de mim. Quanto mais eu corria, mais ele se aproximava. No desespero, parei e fiquei frente à frente com ele, que latia cada vez mais, se aproximava e recuava, como que calculando o momento para o ataque. Comecei a gritar com todas as minhas forças com o cachorro para que se afastasse. Eu gritava e ele latiu por aproximadamente intermináveis 2 a 3 minutos. O cão foi reduzindo os latidos, eu comecei a me afastar bem devagar, olhando sempre para ele. Aos poucos fui tomando coragem de dar as costas e seguir caminhando devagar até não o escutar mais. Então, corri como se não houvesse amanhã até alcançar a entrada do hotel, quando me sentei e não tive forças para levantar ou parar de tremer até ser ‘resgatada’ pelo meu marido. Até hoje não posso ver um pastor alemão. Lembranças do Atacama para todo o sempre.”

Georgia Tardin Costa, Vitória, ES


“Vitória da Conquista, BA, dia 25 de maio de 2020. Às 5:30 da manhã iniciei meu treino de corrida. O trajeto era o habitual para treinos com um pouco de aclive. Na maioria das vezes, sempre havia cachorros de rua no final da avenida, mais conhecida como subida da UFBA. A recepção era a de sempre, todos eles me acompanhavam latindo. No entanto, sempre precavido, diminuía a marcha e ficava olhando para trás até que parassem. Então retomava meu ritmo e seguia naturalmente o treino. Isso se tornou rotina e fui me acostumando com a situação, pois comecei a achar que não passaria de simples latidos e que eles não morderiam, mesmo porque era assim com meus amigos também. Só que nesse dia tive a ‘brilhante ideia’ de ignorá-los e manter o meu ritmo, pois já estava me sentindo confiante e achava que não aconteceria nada. Engano meu! Recebi uma mordida sinistra. A dor foi daquelas que dói na alma. A cadela cravou os dentes com muita vontade. A mordida foi perto do tornozelo do pé direito e atingiu o lado interno e externo, sendo que na parte interna foi um corte profundo que acabou inchando toda a região do pé. Moral da história: parei o treino de imediato, tive que caminhar 2 km sentindo dor até chegar ao meu carro. Por sorte encontrei um amigo que estava caminhando e é médico. Ele me passou todas as orientações e a primeira delas foi lavar de imediato com bastante água corrente e sabão. Em seguida, procurar o serviço de saúde especializado. Segui todas as recomendações e tive que ficar no estaleiro por uma semana. Mas, ao retornar, tive que aguentar gozações dos colegas. Disseram que depois disso meu pace melhorou e que seria interessante tomar uma mordida dessa por mês.”

Antônio Cezar Lemos, Vitória da Conquista, BA

 

 “Eu e meu técnico, Batista, estávamos voltando de um treino, cortando caminho para casa, por causa do cansaço. Ouvi latidos altos, mas não me importei porque vi que o cachorro estava preso. Assim que chegamos na frente da casa, o cachorro enfiou o focinho no portão e, com muita habilidade arrastou o portão de alumínio sobre trilho e pulou para fora, em cima da gente. Como o Batista tem cachorro grande em casa, abriu os braços e,  de frente para ele, gritou para que parasse. Eu, muito amedrontada, tentava subir em um carro, mas o suor do corpo só me deixou escorregando, sem sucesso, até à chegada do dono para prender o peralta. Até hoje o Batista ri da minha reação, tremendo e tentando, em vão, subir no carro. Numa outra situação, eu e um grupo de amigos treinávamos nas trilhas de Alcaçuz e tivemos a companhia de um bode, que nos acompanhou, com uma alegria canina, por mais de 3 km. Adoramos a companhia, rimos muito e em momento algum sentimos medo dele. E nos causou até espanto a boa forma do nosso ‘pacer’, que ora ficava ao nosso lado, ora ficava à nossa frente, conduzindo-nos e estimulando-nos a melhorar a velocidade daquele treino.”

Vanusa Barreira, Natal, RN


“O meu perrengue com cachorro foi há alguns anos, quando morava em Brasília. Era um sábado e saí para um treino de 16 km no Parque da Cidade. Na época, tinha o hábito de correr com fone de ouvido, ouvindo música. Estava curtindo a música e o treino, num trecho em descida, quando senti um impacto por trás, nas duas pernas. Saí cambaleando até cair de vez e me ralar inteira. Olhei para trás e vi um casal com uma guia na mão gritando pelo cachorro que estava fora da coleira. Era um cocker spaniel, pesado o suficiente para me jogar no chão e causar um belo estrago. Os donos do cachorro, ao invés de me ajudarem, fugiram do local assim que conseguiram prender o cachorro na guia. Outros corredores pararam para me ajudar e chamaram uma equipe que fazia a segurança do parque. Naquela época, as equipes usavam carros do modelo Ford K, que tinham o apelido de joaninhas. Peguei carona numa joaninha até o portão mais próximo de casa – conseguia andar até a minha casa, mas não tinha condições de continuar o treino. Passado o susto (e a raiva por perder o treino), comecei a achar graça do fato de ter andado de joaninha, mas virei a chata dos cachorros fora da guia. Cães são maravilhosos e tenho certeza de que aquele cachorro não quis me atacar. Mas os tutores precisam ter consciência de que animais são imprevisíveis e que, portanto, cabe aos tutores a responsabilidade de sempre presar pela segurança de quem está ao redor.”

Luana Fleury, Estocolmo, Suécia

 




“Era um sábado, cerca de 5h45 da manhã, horário que costumo treinar em Brasília. Eu morava na época do lado do Parque da Cidade. Naquele dia estava vazio. Eu estava correndo devagar e, de repente, dei de frente com uns 5 ou 6 cachorros. Não deu tempo de fazer muita coisa. Não tive muito tempo para pensar. A única coisa que fiz foi tentar ir para cima deles para tentar intimidá-los, levantando os braços e dando uns gritos. Eles fizeram um círculo, me rodearam e começaram a latir já querendo me morder. Dei um chute em um e outro já me mordeu. Essa brincadeira durou um minuto mais ou menos. Foi um momento de muito pânico. Fiquei bem apavorado. Tomei 3 mordidas, mas na hora só percebi uma delas Continuei tentando intimidá-los, dando chutes e ao mesmo tempo levantando os braços para ver se iam embora. De repente, eles pararam e foram embora. Só percebi as 3 mordidas quando parou. A partir do momento em que vi que estava sangrando muito, parei de correr e fui caminhando para casa, que ficava aproximadamente uns 2 km dali. Cheguei em casa e minha esposa tomou um susto. Lavei a perna e formos para o hospital. Levei pontos em 2 das mordidas, tomei alguns medicamentos, como antibiótico e  anti-inflamatório, e depois fui para um posto de saúde tomar a antirrábica. Depois que voltei para casa, minha esposa ligou para um órgão que recolhe e cuida desses animais de rua. Foram 3 ou 4 dias sem correr. A recomendação era para ficar mais tempo, mas voltei antes. Fiquei uns dias ainda com uma certa fobia de cachorro. Tinha um certo receio de cruzar com algum. Ter vivido essa experiência foi um verdadeiro filme de terror. Mas, por um lado, bom que tenha sido comigo, porque se fosse uma pessoa idosa ou uma criança, poderia ter acontecido algo mais grave. Já me recuperei, mas até hoje tenho as marcas das mordidas.”

 

Flávio Guimarães, Brasília, DF

 

 

 

 

 

 

 

 

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Fernanda Paradizo
Repórter e Fotógrafa Oficial